“Se você não tem dúvidas é porque está mal informado”
Millôr Fernandes
PT | Neste mundo complexo e interconectado em que vivemos, talvez a palavra que mais devêssemos usar seja "depende". Tudo é contexto-dependente: depende do momento, depende de quem está envolvido, depende de como a situação se desenrola. Em coisas complicadas, podemos até isolar certos problemas, ignorar certas variáveis e construir uma causalidade direta que nos permite prever. Se isso acontecer, então aquilo irá acontecer.
Porém, na complexidade, é bem diferente. Não dá para lidar com os desafios de forma isolada, não dá para ignorar e não dá para prever nada. Por exemplo, se considerarmos uma questão de saúde pública, sempre existem aspectos econômicos, políticos, culturais, sociais e educacionais, entre outros. Se o vírus da Covid fosse algo complicado, bastaria chamar os engenheiros e teríamos uma solução. Mas, ele tem vida, é complexo; o vírus e qualquer agente de um sistema complexo se auto-organiza, se adapta, aprende e evolui.
Na complexidade, o buraco é mais embaixo. É sempre imprevisível, a causalidade muitas vezes é circular e há a questão de até onde vai nossa noção de causalidade. Se alguém leva um tiro em uma tentativa de assalto, por exemplo, raramente pensamos que a invenção da pólvora tem alguma relação com isso, mas tem.
Por outro lado, talvez o que devêssemos retirar do dicionário seja o verbo "garantir". Muitos líderes acham que, por serem líderes, precisam dar as respostas, precisam de certezas e precisam garantir que certas coisas aconteçam. Porém, ser verdadeiramente um líder em um mundo complexo tem mais a ver com suspender as certezas e sustentar as dúvidas por mais tempo, para poder ouvir todas as possibilidades e opiniões contrárias. Pois, como já explicou o filósofo Karl Popper, nos dirigimos em direção à verdade não pela defesa de nossas hipóteses, mas pela falsificação delas. Ele usava o exemplo dos cisnes. Por mais observações de cisnes brancos que tivermos, pois na Europa todos os cisnes são brancos, jamais provaríamos a hipótese de que “todos os cisnes são brancos”, porém uma observação de um cisne negro, como aconteceu na Austrália, falsificou o que era uma ‘verdade’ de séculos. Ou seja, mesmo na ciência, jamais provamos que estamos certos, apenas provamos que ainda não estamos errados. Como você e sua organização convivem com a dúvida? Quais projetos em que você está trabalhando, você não sabe realmente onde vão dar?
"If you have no doubts, it's because you are misinformed."
EN |In this complex and interconnected world we live in, perhaps the word we should use most often is "depends." Everything is context-dependent: it depends on the moment, it depends on who is involved, it depends on how the situation unfolds. In complicated matters, we can isolate certain problems, ignore certain variables, and build a direct causality that allows us to predict. If this happens, then that will happen.
However, in complexity, it's quite different. You can't deal with challenges in isolation, you can't ignore them, and you can't predict anything. For example, if we consider a public health issue, there are always economic, political, cultural, social, and educational aspects, among others. If the Covid virus were something complicated, we could simply call the engineers and we would have a solution. But it's alive, it's complex; the virus and any agent of a complex system self-organize, adapt, learn, and evolve.
In complexity, the issue runs deeper. It's always unpredictable, causality is often circular, and there's the question of how far our notion of causality goes. If someone gets shot in a robbery attempt, for example, we rarely think that the invention of gunpowder has any relation to it, but it does.
On the other hand, perhaps what we should remove from the dictionary is the verb "to guarantee." Many leaders think that because they are leaders, they need to provide answers, they need certainty, and they need to guarantee that certain things happen. However, being a true leader in a complex world has more to do with suspending certainties and sustaining doubts for longer, in order to listen to all possibilities and opposing opinions. As the philosopher Karl Popper explained, we approach truth not by defending our hypotheses, but by falsifying them. He used the example of swans. No matter how many observations of white swans we have, as in Europe all swans are white, we could never prove the hypothesis that "all swans are white," but an observation of a black swan, as happened in Australia, falsified what had been a 'truth' for centuries. In other words, even in science, we never prove that we are correct, we only prove that we are not wrong yet. How do you and your organization deal with doubt? In which projects you're working on, do you really not know where they will lead?